Arquivo mensal: fevereiro 2012

Nhoque da Fortuna

Hoje o dia começou animado aqui na repartição. Tudo por conta do dia 29 de fevereiro, dia de São Pantaleão. Segundo a lenda, o Santo vestiu-se de andarilho e, ao entrar em uma casa de uma família muito pobre, foi oferecido a ele um prato de nhoque. Mas era tão pouco que foi dividido, resultando em sete nhoques para cada pessoa. Depois de comer, o santo foi embora . Quando a anfitriã retornou, encontrou uma fortuna debaixo da mesa.

Portanto, hoje é dia de comer o Nhoque da Fortuna! Pelo que me explicaram, você tem que comer os sete primeiros nhoques fazendo um pedido para cada. Depois pode saborear o restante. Porém, antes de se iniciar a comilança, é preciso colocar uma nota de qualquer valor embaixo do prato.

Mas, assim como no ano novo, acredito que para a simpatia dar certo temos que fazer uma boa oferenda. Explico. Na virada do ano todo mundo joga flores, sabonetes, perfumes e champagne para Iemanjá. Já repararam que no dia seguinte a praia está uma sujeira só? É claro, ela recusou todos aqueles presentes. Não vai achando que é só ir até a Praia Grande, comprar uma Sidra Ceresér, um sabonete qualquer e uma Alfazema que vai conseguir ter aquele emprego que sonhou ganhar na mega-sena e trazer a pessoa amada de volta. Com o Nhoque da Fortuna é a mesma coisa. Quer ficar rico? Coloca uma nota de 100 Euros embaixo do prato. Ou você acha que colocando dois reais embaixo do prato, São Pantaleão vai perder o tempo dele atendendo seus pedidos?

 Eu já saquei uma onça e vou deixar ali bonitinha… Vai que funciona!

Uma reflexão de merda!

Foi justamente em um dos únicos momentos do dia em que paro para pensar na vida, que comecei a pensar na idéia deste texto. Não! Não foi sentado no trono (mas iria a calhar também), mas embaixo do chuveiro que comecei a pensar em como esses poucos momentos fazem toda a diferença na nossa vida.

Vivemos cada dia correndo mais e mais, sabe-se lá para se chegar aonde, mas continuamosem frente. E observando as pessoas aqui da repartição, vejo que muitas nem água conseguem tomar durante o dia. Além de todos os problemas fisiológicos que isso pode acarretar, a pessoa não tem um tempo para respirar fundo, dar um gole naquela água gelada, senti-la descendo pela garganta até se perder pelas entranhas do nosso corpo.

Certa vez um médico me disse que tenho tanta pressa que nem paciência para cagar eu tinha. Sentava no vaso, conta até três e já saia do banheiro, serviço feito ou não. A partir daí comecei a valorizar as minhas idas ao banheiro, visando melhorar o funcionamento do organismo sem ter que recorrer a iogurtes, coisas naturais ou qualquer outra coisa que o valha. No começo foi um sacrifício, um martírio, ficar sentado lá olhando para as paredes, reparando nas rebarbas do azulejo… Até o dia em que comecei a pensar na vida, nos problemas e tudo mais que estava acontecendo no meu dia. Foi uma verdadeira descoberta, um mundo novo surgiu deste então.

Cada um tem uma maneira de ter o seu momento de reflexão, seja ele antes de dormir, embaixo do chuveiro ou sentado no vaso. Mas voltando ao começo do texto, vivemos correndo e se não temos tempo de beber água, tampouco teremos tempo para tomar um belo banho, daqueles que enfumaçam o banheiro todo. Pensar antes de dormir? Imagina! O corpo cai na cama e você não consegue nem programar o celular para despertar no dia seguinte.

Talvez seja esse um dos principais motivos do stress coletivo. Não temos tempo para essas pequenas coisas, que vão se somando aos problemas maiores, e lutamos para resolver tudo. Queremos abraçar o mundo e nos tornarmos o Messias prometido, pacificando as guerras entre os vizinhos, a cunhada que é insuportável, o cachorro que late de madrugada.

Não meus caros! Vamos nos atentar apenas ao nosso umbigo. Sejamos individuais, mas não individualistas. Saibamos conviver em grupo, mas demarcando o nosso território, o nosso tempo, as nossas necessidades. Mesmo que ela seja apenas… UMA SIMPLES CAGADA!

 

Por uma vida menos integral!

Esta semana estava sem vontade de almoçar, então fui a uma doceria que fica perto do meu trabalho a fim de comprar algumas besteiras para comer durante a tarde na hora que a fome batesse. A oferta de guloseimas é sem fim, desde dip n’ lik, passando por tubos de pringles até barras gigantes de kit-kat. Mas fui objetivo e peguei apenas um pacote de Fandangos de presunto, o meu favorito desde criança, um pacote de trakinas de morango, outro xodó dos tempos de escola e alguns dadinhos e guarda-chuvas de “chocolate”, daqueles bem vagabundos, que o mais próximo do chocolate que aquilo tem, deve ser o apelido do operador da máquina que embala os doces. Mas compra feita, voltei para o escritório todo feliz da vida onde teria uma tarde cheia de açúcares e gordura.

Comecei a reparar nas novas embalagens e já fiquei intrigado, na do salgadinho estava em letras enormes “Sem gordura trans” e na da bolacha a receita mudou e agora contém farinha integral no biscoito. Abri o pacote e biscoito continuava apetitoso como antes, ao menos era o que me parecia antes de colocá-lo na boca. O gosto de farinha já me deixou com vontade de jogá-lo fora, falta de educação seria oferecer aquela coisa horrível para alguém. Tentei comer mais um para ver se não era problema do paladar. Cheguei a consultar a validade, mas ainda faltava mais de um ano para vencer. O problema era a tal da farinha. A fórmula da bolacha que por muitas manhãs me alegrou foi alterada, sem consulta aos consumidores, o que chega a ser um desrespeito. Tais questões em um mundo perfeito deveriam ser convocadas um referendo nacional e decidirmos nas urnas se mudariam ou não à receita original.

Decidi partir para o Fandangos, esse seria menos inofensivo, agora ele era assado, ao invés de frito, o que faria muito bem para o meu colesterol, que não sei a quantas anda, mas isso é uma coisa que só irei me preocupar quando for um homem 3D, ou seja, três dígitos na balança, de resto continuarei a minha vida se me preocupar com isso. Abri o pacote e percebi que o salgadinho realmente estava mais seco, na ponta dos dedos já não ficava mais grudado o farelo, que contrariando nossa boa educação enfiávamos na boca e lambíamos tudo, sem deixar o menor vestígio de sal ou gordura. E assim comi o saco inteiro e Não foi surpresa nenhuma não encontrar mais aquele farelo delicioso no fundo, aquele que esticávamos o saco e inclinávamos a cabeça para trás e ele escorregava maravilhosamente para dentro da nossa boca e passando e depois de engolir passávamos a língua nos lábios, como sinal de saciedade. Só me restou os dadinhos e os guarda-chuvas de chocolate, esses não poderiam me desapontar. Eles permaneciam mal embalados, e isso era um bom sinal, os cabinhos continuavam com rebarba, feito com aquele plástico bem ruim, e que mesmo assim ficávamos mascando incansavelmente depois de comer o chocolate. Quando abri o primeiro dadinho percebi que ele estava mais claro, mais pálido, quase sem vida. Pensei que talvez fosse apenas por estar velho, mas não, definitivamente não. A geração saúde chegou até a fábrica de dadinhos. Ele esta agora sem gosto, sem gordura, sem nada. O espírito saudosista estava ganhando força e esse é um que eu gosto de deixá-lo bem escondido, não gosto de viver de passado. Mas foi um golpe duro demais para mim, uma seqüência de chutes e socos que me senti o Belfort apanhando do Anderson Silva.

Para minha sorte, aqueles pequenos chocolates mantiveram suas raízes, o gosto de gordura saciou meu paladar e ao menos pude ser feliz em alguns segundos. Tamanha frustração foi o meu almoço. Justo eu, que acredito que um dos poucos prazeres dessa vida é justamente esse, poder saborear uma boa comida, com todos os ingredientes que compõem o figuro, não poderia estar vivenciando aquilo. Me vem logo à cabeça um mundo cheio de pílulas iguais as de astronauta, comidas cada vez mais sem gosto, sem vida.

Culpa de quem? Dessa geração saúde, viciada em barrinhas de cereais feitas de serragem com granola, que passa a vida comendo sementes e folhas, e faz o paladar esquecer o sabor da vida. De uma picanha bem suculenta, com aquela capa de gordura, ou então de uma macarronada com muito queijo ralado. Trocam tudo isso por um prato de alface e chicória, e uma porção de frutas secas. Sacrifícios para alcançar um corpo perfeito, e exibi-lo por ai como se exibem os frangos que ficam a girar nas padarias de domingo.