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Mauricio e suas velhas fitas k7!

 

Mauricio era uma criança tranqüila, assim como seus colegas, vivia correndo pela escola chutando uma bola ou fugindo do pique esconde, batia figurinhas, visitava a casa dos avós aos domingos, adorava a macarronada com frango da avó Arminda, como a chamava. No seu aniversário de 10 anos tudo mudou. Foi apenas um presente, aquele presente que trouxe um novo sentido a sua vida. Ganhou um walkman, daqueles antigos a pilha, e que precisava de fitas k7 para se ouvir alguma coisa. Presente dado por seu tio “meio esquisito” Augusto. Ele achava aquele tio um pouco estranho, irmão da sua mãe, em sua casa possuía muitas coisas velhas, desde livros, discos, roupas, tanto que ele era dono de um brechó na cidade. Mas era um sujeito bacana, e aquele presente se tornou algo desafiador. O tio o chamou de canto e disse: “– Garoto, com esse aparelho você irá ouvir as vozes do mundo, tudo estará ao seu alcance, basta dar ouvido a eles”.

A mensagem instigou o pequeno Mauricio, e logo após o “parabéns” correu para o quarto, pegou as pilhas do controle da tevê, encaixou tudo, positivo e negativo, cada qual no seu lado, fones no ouvido, deu o play e nada, o motor girou o vazio, não tinha nenhuma fita k7, o pequeno garoto nem sabia que isso ainda existia. Tudo estava tão diferente, tudo mudado, e seu tio estranho entrega aquela geringonça para ele e ainda diz que ele poderia ouvir o mundo. O tio muito do esperto, sabia que o garoto era curioso, e providenciou algumas fitas aleatórias, e as deixou antes de ir embora.

Já na cama, pegou a primeira fita, estava escrito apenas “Verão de 1987” no lado A, no verso não continha nada, apertou o play, e uma enxurrada de sons inundou os ouvidos do garoto, que tomou um baita susto com aquela barulheira toda. Aos poucos foi se acostumando as vozes, aos instrumentos, as melodias, e assim pegou no sono. Um belo e doce sonho.

No outro dia já fora a escola com os fones no ouvido, fones que se tornaria com o passar do tempo amigo inseparável de Mauricio. Na hora do intervalo já não corria mais atrás dos outros garotos, na mochila várias fitas k7, estava adorando todas aquelas músicas, e o mais gostoso, aquela coleção de fitinhas que precisava carregar. Começou a pedir para sua mãe levá-lo a casa de seu tio, queria muito mais daquelas, de onde saíram às primeiras. Augusto feliz com a surpresa tratou de separar as melhores, tirou a poeira de umas caixas que estavam guardadas no porão da loja e assim, uma por uma, foi entregando ao garoto, sem antes contar as histórias e o motivo que fizeram gravar aquelas músicas.

O tempo passou e o menino cresceu. Seu quarto já estava forrado de fitas, eram caixas e mais caixas, que Clarice, a empregada tropeçara toda vez que ia arrumar o quarto do adolescente Mauricio. Agora ele tinha um gravador em que produzira suas próprias fitas, da maneira como quisesse. Nos aniversários ou troca de presentes com a família, sempre presenteara a pessoa com uma seleção de música. Aquilo passou a ser sua vida. Não sabia tocar nenhum instrumento, nem sequer tentou aprender, o gosto era por editar, cortar, e gravar todas aquelas músicas. Sempre com fone no ouvido, todos a seu redor achavam que o garoto não estava naquele mundo. E realmente ele não estava. Isso lhe rendeu muitas broncas de sua avó Arminda, o macarrão com frango continuara delicioso, mas agora era acompanhado dos fones. Não prestara mais atenção nas conversas e acontecimentos a sua volta. Seu mundo era seu quarto, fitas espalhadas, cada qual devidamente nomeada, e guardadas, fones, seu gravador, e o velho walkman que ganhara há muito tempo.

Já no cursinho, mal prestara atenção nas aulas, apenas em uma garota de pele clara, olhos verdes, cabelos escuros com sorriso doce. Não sabia seu nome, nem do que gostava apenas se encontravam às vezes pelos corredores, um tímido “Oi” era o máximo que conseguira esboçar, tamanha timidez.

Mas o universo conspirara a favor de Mauricio, em uma pequena confraternização de final de ano, os alunos decidiram organizar a brincadeira tradicional de final de ano, o amigo secreto. Nomes recortados em papeis, dentro de um saquinho improvisado. Os olhos de Mauricio percorriam a sala, imaginando o que cada um gostaria de ouvir, já escolhera o que dar de presente ao seu amigo, gostava do impacto que a musica causara nas pessoas e isso para ele já era um grande presente. Foi então que chegou a sua vez, enfiou a mão no saquinho e tirou um pequeno papel, abriu discretamente tratando de olhar se alguém ao redor estava espionando, leu rapidamente o nome, Roberta. Esse era o nome dela, seu coração disparou, começara a suar frio, pela primeira vez não soube o que estava acontecendo, não poderia dar uma simples fita k7, não sabia o que ela gostara, e agora? O que fazer?

Dúvidas atormentaram a cabeça do jovem Mauricio até o dia da troca de presentes, passara noites em claro, ouvira todas as suas fitas uma centena de vezes não conseguira decifrar o que a dona daqueles olhos lindos gostara de ouvir. Decidiu arriscar, e no último dia, terminou a sua gravação. Comprou um lindo cartão, pediu para sua mãe fazer um belo embrulho de presente e assim, com o coração na mão partiu.

Todos estavam presentes, alegres, por mais aquele fim de ano, expectativa para os vestibulares, muitos comes e bebes, até que Jarbas, o professor mais engraçado e brincalhão da turma decidiu dar inicio a troca dos presentes. A brincadeira se iniciou assim um a um foram revelando seus amigos, presentes bonitos, outros nem tanto, e a ansiedade de Mauricio aumentando, nada de chamá-la, e muito menos o seu nome, será que esqueceram? Não é possível pensara ele, todos vieram e com seus devidos presentes a tiracolo. Não pode ser, será que ela? Assim foi até sobrar apenas os dois. Com as bochechas rosadas de vergonha, sentira o calor tomar conta de seu corpo, caminhou cambaleante até o centro da roda, e apenas disse com a voz trêmula e envergonhada: “- Bom como todos já sabem, minha amiga secreta é você Roberta”. Ela levantou, caminhou em sua direção, o garoto tremera mais que vara verde no vendaval, e entregou o seu pequeno embrulho para ela, que abriu seu lindo sorriso agradecendo-o. Ela voltou a sua cadeira e pegou um pacote estranho, fino, meio quadrado, e entregou ao jovem. Com um pouco de vergonha entregou o presente, os olhos brilharam, tanto dele com o pacote quanto o dela com o sorriso ganho. Era um disco de vinil, lindo, com capa novinha e tudo que se tem direito. Duas novas paixões acabaram de nascer naquele momento, ambas carregariam para o resto da vida!