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Pedro e as Meias Coloridas

 

Pedro abriu a gaveta, olhou, analisou, pensou e decidiu. Iria de laranja na direita e amarela com listras vermelhas na esquerda. Sua gaveta de meias era assim, não existiam pares, apenas cores, uma mais espalhafatosa que a outra, e ele gostava de usá-las desta forma. Sempre fora assim, desde pequeno, escolhia o que iria usar no pé direito, depois no esquerdo e estava pronto. Não saia de casa sem suas meias, poderia ser de sapato, tênis, calça ou bermuda. Sem se importar, mas tal desleixo era apenas nos pés, pois Pedro sempre fora um menino bonito, asseado, de cabelo penteado e banho tomado. O uniforme da escola estava sempre lavado, dona Rosa a empregada que o levava a pé ao Grupo Estudantil tratava de deixar tudo “um brinco” como ela costumava dizer. Embalara o garoto desde os tempos da mamadeira, o tratava como um filho, só não entendia a fixação por “meias de palhaço” do menino.

Na escola o garoto sofria, sentava isolado em um canto, não entendia o porquê seus amiguinhos não o chamavam para participar da brincadeira, tiravam sarro das cores de suas meias, justo eles, que sempre usavam aquelas coisas brancas, sem nenhuma listra ou cores. Quem eram eles para falar das estampas? Pensava o triste Pedro. Assim passara o tempo até o dia que encontra Mariana, uma linda garotinha, que acabará de se mudar para o colégio, vindo de outra cidade. Foi paixão a primeira vista, ou meias, como ele mesmo pensou. A pequena ruivinha, com sardas no nariz e bochecha, aparece de vestido rendado, no pé esquerdo uma meia roxa, no direito amarela com listras horizontais azuis. Os olhos de Pedro brilharam como nunca ocorrera, neste dia, ele usava uma meia verde com bolinhas vermelhas e preta com listras brancas. Os dois se abraçaram, e correram pelos corredores como se não houvesse fim. Os amigos Guga, Faísca e Piolho já não conseguiam mais irritar Pedro, que só tinha olhos e meias para a pequena Mariana. Eram unha e carne, meia e sapato como a velha Professora Jeovina dissera para os pais do novo casal que se formou na escola. Não eram namorados, eram cúmplices apenas do mesmo segredo, passavam as aulas juntos, sem os tênis, correndo por ai exibindo suas cores e estampas para quem quisessem ver.

As férias do meio do ano chegaram, Pedro e Mariana ficariam trinta dias sem se ver, nem se falar, pois ela voltaria a Passos de Minas para visitar os parentes, e ele iria para Caraguatatuba, na casa do avô Genaro, pai de sua mãe, que estava muito doente e precisara de cuidados. Lucia sua mãe já sabia de tudo, uma mala era para as roupas e outra para as meias. Ele não viajava sem levar todas, gostava de escolher conforme o seu humor, e assim foi rumo ao litoral.

No retorno as aulas algo inusitado aconteceu, todos os garotos da sala de Pedro estavam com meias coloridas. Seria a nova moda, eram misturas muito engraçadas, xadrez, listras horizontais, verticais, amarelo com preto, roxo com azul, verde com rosa. Mas todos estampavam um sorriso no rosto, parece que entenderam durante este tempo de férias o sentido do colorido da vida, e na porta da sala esperavam o garoto que começou com esta idéia, Faísca era o mais empolgado e desfilava na frente das garotas o seu par em xadrez e listras vermelhas. Eis que Pedro sobe o último degrau da escada que dava ao corredor da sala. O burburinho é geral, todos saem pelas portas para ver aquela cena jamais presenciada. O garoto estava com um simples e modesto par de cores brancas. O silêncio tomou conta do lugar, podiam-se ouvir os passos lentos e pesados do menino, triste, cabisbaixo. Ninguém sabia até então, mas seu avô Genaro falecerá naqueles dias, justo ele que Pedro admirara tanto, que o ensinou a jogar taco, empinar pipa e pescar, durante as férias que passavam juntos na praia. Como por sintonia, naquele momento Mariana também aparece na escada, e desta vez o prédio desaba, a garota também está com meias brancas. Todos se entreolham não acreditando naquilo. Ela segura a mão de Pedro, e sem falar nada ambos caminham em direção a sala de aula. Os amigos entendem o recado, tiram as meias e voltam descalços para os seus lugares.